Monday, December 04, 2006

Pinochet e Chile: uma relação inapresentável

Quem rezava ontem, no Chile, para que Pinochet não morresse? Obviamente sua família, assim como quem o chama de "el tata" [papai] e admira o "valente soldado" que derrotou o comunismo. Os mesmos que foram homenageá-lo diante de sua casa para celebrar seu aniversário número 91. E diante dos quais disse que assumia "a responsabilidade política por todo o realizado". Mas também rezavam as famílias das vítimas e todos os chilenos que se solidarizam com a causa dos direitos humanos. Parece estranho, mas é assim. Porque sua morte fecharia todos os processos com um selo lapidar: "arquivado definitivamente por morte do imputado" (artigo 93 do Código Penal). E se Pinochet morre sem nenhuma condenação estabelece-se um marco que marcará o Chile com um selo indelével: sua incapacidade para fazer justiça. A transição chilena teve um preço: a impunidade de Pinochet. Assim, o ex-ditador entregou a faixa presidencial a Patricio Aylwin no dia 11 de março de 1990 e continuou, por mais oito anos!, como chefe do Exército. Com a chave do arsenal na mão, impediu toda investigação judicial que o implicasse ou a membros de sua família. Depois desses oito anos de impunidade, tirou o uniforme para se tornar senador vitalício. E ainda estaria no Senado se não fosse pela ação da Justiça espanhola. Ficou preso em Londres por mais de 500 dias. O Chile defendeu seu direito de julgá-lo e logrou sua repatriação "por razões de compaixão", diante de sua frágil saúde. Fragilidade que evaporou ao pisar em terra chilena, naquela famosa cena em que se levantou da cadeira de rodas. Quando as provas contra ele eram irrefutáveis -no caso da Caravana da Morte- as cortes o declararam louco em 2001. Arquivamento definitivo por demência do acusado. Novamente foi uma mão estrangeira que colocou as coisas em seu lugar. O Senado dos EUA revelou suas contas secretas em 2004, contas em que Pinochet decidia milionários movimentos de dinheiro com uma cordura a toda prova. Isso obrigou as cortes a declará-lo novamente "sujeito apto de processo". E nisso estamos no Chile. Mas nenhum juiz se atreveu a condená-lo. Mas há muitos a quem a morte de Pinochet cai como uma luva, além daqueles juízes com essa "batata quente" nas mãos. A direita política precisa se desfazer do pesado fardo de sua herança se quiser chegar ao governo. E a Concertação governista precisa resolver essa impunidade pela via mais fácil.
Texto de Patrícia Verdugo, publicado na Folha de São Paulo.

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