Thursday, March 16, 2006

Discurso de Formatura como Patrono da Turma Rui Barbosa proferido dia 14/03/2006 - Curso de Direito - Universidade Estácio de Sá - RJ


Exmª Srª Coordenadora Adjunta do Curso de Direito do Campus Nova América, Profª Marcia de Brito Meira;
Exmºs Senhores Professores do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá;
Estimados colegas de Universidade;
Prezados familiares, amigos,
Senhoras e Senhores,
Meus queridos formandos,

Conferiram-me vocês, em generoso gesto, homenagem de singular significado. Essa distinção desnudou um ciclo misterioso que, em meio ao baralhar dos infinitos fatos da vida, revelou um encontro e reencontro de estréias: o ineditismo dessa honrosa cortesia, que hoje sobre mim incide, faz-se acompanhar do acontecido: estreei o ofício de professor sob seus olhos...curiosos, ávidos por saber, sequiosos do jurídico. Há coincidências que, surpreendentes, convencem-nos de que está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, aleatórios. Talvez sejam as palavras de Guimarães Rosa as mais explicativas para o caso: "Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo".

A figura do patrono é instituição antiga. Na Roma dos césares, identificava o senhor em relação aos seus libertos. Entre nós, representa uma personalidade sob a égide da qual mantêm-se vivas a unidade e a tradição de um grupo. Trata-se, assim, de vulto de proteção, abrigo e amparo. Honra-me, dessa forma, ser tomado como referência defensora por aqueles a quem tenho acompanhado por longa data. Igualmente, recai sobre mim a missão de felicitá-los, adverti-los e conclamá-los para o ministério que se desvela diante de vocês.

A primeira tarefa, a de felicitá-los, é a mais singela e espontânea que se me poderia impor. Uma turma de escol [e aqui, evidentemente, não me refiro à cerveja – mas à alta qualidade dos que a compõem], cuja inteligência manifesta-se não somente pelo resultado obtido na etapa acadêmica que aqui se encerra, mas em uma certa inquietude...um burburinho bem humorado que se fez presente em várias ocasiões em que estivemos reunidos [inclusive na atual oportunidade].

Deveras, as etapas da jornada que se cumpre em vida, quase sempre sinuosas, submetem-nos a um espaço que gira e foge, por descampados áridos e sendas obscuras. A viagem, porém, forja o viajante, provocando-lhe metamorfoses íntimas, couraçando-lhe o corpo e o espírito. Acima de tudo cria laços de solidariedade e robusta amizade entre aqueles que compartilham as andanças. Os andarilhos vinculam-se por suas lembranças, pelo espaço coabitado e registram-se na história com a tinta extraída de um tronco de vidas enfeixadas.

Também eu sou um ramo desse tronco. Também eu caminhei por suas trilhas, compartilhando de algumas de suas lembranças. E disso muito me orgulho! Pois sei que, a despeito das vicissitudes encontradas, dos obstáculos fatigantes, estamos aqui, juntos, em solenidade alegre e festiva! Por tudo isso, e por todas as vitórias familiares e particulares que se associam ao que hoje comemoramos, que escapam ao meu conhecimento, eu os saúdo! Meus queridos bacharelandos, minhas sinceras congratulações!

Vivemos em um mundo que respira complexidade. Os fatos embaraçam-se céleres na rede da história e rojam-se de permeio entre o que fomos e o que somos, divulgando, em intensidade assustadora, prerrogativas que atribuiríamos usualmente ao tempo. A copiosidade dos eventos detém o condão do esquecimento. Perigoso, porém, é o esquecer-se de si; é o descurar-se das profundas essencialidades do que se entende por humano, esmagadas sob o colorido estéril dos cenários e atores de um mundo que não é o nosso – mas um sedutor simulacro do nosso – e que nos leva a consumi-lo quase que inadvertidamente.

São múltiplos os mecanismos entorpecentes da alma e que adoçam os olhos, deixando-nos, do alto, alheios aos que vagam pelos becos e rodovias. Imunes aos seus pleitos faltos, seus anseios parcos: terra, mantença e amparo. Não muito para se cumprir a lida. Não tanto para se viver a vida.

Minha segunda missão está em adverti-los de que o saber jurídico que alcançaram estará a cobrar-lhes continuamente uma visão perspectiva da realidade evidente. A responsabilidade que assoma ao nosso ofício é pungente. Rogo que se deixem contaminar por ela. Não se convençam com os argumentos daqueles que se escusam pela natureza solitária de suas conquistas. Não há lutas solitárias. O próprio chão que se pisa é um produto social.

Como nos diz o escritor francês Marcel Aymé: “A injustiça social é uma evidência tão familiar, ela é de uma constituição tão robusta, que ela parece facilmente natural àqueles mesmos que são suas vítimas”. E, talvez, particularmente entre nós, em face da cultural cordialidade do homem brasileiro, já identificada por Sérgio Buarque de Hollanda em seu “Raízes do Brasil”, isso se faça de uma forma ainda mais naturalizada e silenciosa.
Pois urremos, se necessário, brados contra essa vil ignomínia, uma herança patrimonialista deletéria, que crava sobre o público as estacas do interesse privado, delimitando estreitamente os espaços sociais por onde podem circular os desvalidos e transformando-se da mera relação entre ter ou não ter propriedade em uma de dimensão ainda mais profunda: ter ou não ter liberdade.

Desejo que sejam, meus queridos bacharelandos, arautos de um tempo de coerência ética, racionalidade e humanismo. Que propugnem bravamente contra o sombreio que esconde a parcela maior de nosso povo, órfão da lei, ou do saber a lei. Estado e sociedade civil só poderão desenvolver-se vastamente se trilharem, sobre a pavimentação do humanismo, as estradas da inclusão social e da inclusão judicial.

Peço vênia por momentaneamente fugir do vernáculo para citar o jornalista e ensaísta francês Alfred Capus:
"Quand on aime la justice, on est toujours un révolté...".
Uma "revolta [que – nas palavras do romancista franco-argelino Albert Camus –] nasce do espetáculo da desrazão diante de uma condição injusta e incompreensível". Contudo "A grandeza do homem está em sua decisão de ser mais forte que sua condição”!
Assim, conclamo a todos que tenhamos a coragem de ser grandes!
Muito Obrigado!