Tuesday, August 15, 2006

Noite Árabe II


بنت خاصّة جدّا شغمش


Há alguns (vários) anos, houve no Rio de Janeiro um inesquecível espetáculo: a encenação da Comédia de Dante, por um corpo de atores e bailarinos, tendo como espaço físico o prédio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O público ia caminhando desde os porões do prédio, em que os atores encenavam os tormentos característicos dos círculos do Inferno, passava a observar as penosas torturas do Purgatório, até chegar aos salões mais nobres, que representavam o Paraíso, por onde se enfileiravam bailarinas ao som de belíssimas composições eruditas. Foi, para mim, a montagem mais impressionante da obra de Dante Alighieri.
Introduzi o texto dessa forma, caro leitor, para que compreenda a experiência por que passei recentemente. Estava eu preso no trânsito da Rua São Clemente, em Botafogo – graças a uma das já tradicionais obras-de-véspera-de-eleição do nosso atual prefeito – que, se fosse conhecido de Dante, representaria, sem dúvida alguma, um dos tormentosos círculos do inferno (refiro-me ao trânsito, não ao prefeito...peraí...não, é isso mesmo!).
Quando cheguei próximo ao meu destino, iniciei a procura por uma vaga, o que, como se sabe, é um purgatório!!! Dante descreveu o purgatório também como dividido em círculos...lembro-me de ter feito vários em torno da quadra até encontrar um lugar onde pudesse estacionar.
Pronto! Cheguei ao meu destino. Cumpri meu compromisso. Nesse momento ainda não sabia que o paraíso me esperava. Uma querida amiga, Tati, muito gentilmente, convidou-me para um show de dança árabe, que aconteceria a poucas quadras de onde me encontrava. A espera seria pequena. Aceitei prontamente o convite, pois meu primeiro contato com essa expressão artística, aliás proporcionado pela própria Tati (Ayla), foi dos mais surpreendentes e encantadores (tudo relatado, caro leitor, em post intitulado “Noite Árabe”, que pode ser encontrado nos arquivos do blog).
Cheguei ao lugar marcado: uma escola de dança chamada Asmahan. Foi Ayla quem me recebeu e me conduziu a um salão, que estava a meia luz. Lá já se encontravam algumas pessoas, sentadas em confortáveis almofadas dispostas junto às paredes. Leves cortinas brancas cobriam as janelas e a entrada principal do salão. As pessoas conversavam em tom baixo e havia um clima de expectativa.
A espera durou pouco. Adentra a sala Jhade, uma mulher belíssima e de muita presença, responsável pela casa, para explicar-nos o que se desvelaria a seguir. De minha parte, estava entretido com as palavras decididas da apresentadora, que, em seguida, deixa o salão. A música inicia um fraseado dançante com as variações tonais de comas quase imperceptíveis aos ouvidos ocidentais. Lembro-me de que comecei a refletir se não seriam essas escalas executadas dentro de um espaço semi-tonal as responsáveis pelo entorpecimento dos sentidos dos expectadores. Esses pensamentos não duraram mais que dois segundos, quando entrou a primeira dançarina, Serena. Usava um vestido negro, cravejado de brilhos em desenhos ondulados. Em meio às suaves brumas que preenchiam o ambiente, Serena dava-nos a sensação de que uma nuvem de cristais se compunha e se recompunha nas formas quase etéreas da própria bailarina.
O show, conforme nos explicara Jhade, seria caracterizado por performances executadas em fundo musical tradicional árabe e em músicas modernas.
Assim os expectadores tiveram a possibilidade de testemunhar como seria o bailado oriental de músicas como “Material Girl”, de Madonna, aliás, lindamente executado por Noahri - uma dançarina de simpatia ímpar - em um hibridismo bem temperado. Quando da execução de sua performance de música tradicional, Noahri proporcionou um dos pontos altos do show, controlando, de forma quase inacreditável, um véu, que preenchia o espaço em espirais psicodélicas como se tivesse vida.
A essa altura o leitor poderá se perguntar o que eu havia bebido antes do show. Juro que nada mais que um café. Não posso negar, entretanto, que me sentia inebriado ante tamanha estesia.
Como se não bastasse a beleza das apresentações, iniciou-se o que Ayla, que estava ao meu lado – e isso me lembra que o poeta Virgílio acompanhava Dante em sua viagem pelo Paraíso, explicando-lhe o que se passava -, disse tratar-se da dança com punhais. Duas bailarinas, Shazadi e Nailah, desafiavam-se portando punhais ornamentados com desenhos e pedras. Tinham expressões graves. A platéia, envolvida em suspense, via, tensa, o desembainhar das armas cortantes, que reluziam as cores do ambiente. O bailado parecia milimétrico. A música, que lembrava o Bolero de Ravel em variações arábicas, rivalizava com o tilintar de dezenas de moedas que adornavam o vestido de uma das dançarinas. Tudo enfatizava o caráter dramático da dança. Uma performance absolutamente arrebatadora!
O grand finale aproximava-se. E ficou a cargo de Amanda Alexandre, uma dançarina de impressionante agilidade...seus pés mal tocavam o chão. Amanda tem um absoluto controle de palco e de público. E seus pedidos tornavam-se, em verdade, comandos para a platéia. Gesticulava palmas e já estávamos todos acompanhando os ritmos das batidas musicais. Dançava com um bastão que girava como se fosse uma extensão de seu corpo. Até que, em dado momento, passou a convidar, de forma quase irresistível, alguns expectadores para acompanhar-lhe os movimentos. Só posso lhe dizer isso, prezado leitor, não tive como negar o pedido quando Amanda apontou-me o bastão e sorriu. Quando dei por mim, estava em meio ao que chamam de said, ligado, barriga a barriga, pelo bastão, à dançarina. Ensaiava movimentos duros, tentando acompanhá-la...e ela bem compreendeu que minha (pouca) flexibilidade não me permitiria ir além daquele jeito desengonçado de marionete. Sorriu complacente e ergueu a mão para cumprimentar-me.
Ao final, Amanda chamou todos para dançar, convite prontamente aceito por minha amiga Ayla, que mais uma vez agraciou-me com a oportunidade de assistir-lhe os delicados movimentos.
Essa segunda noite árabe foi, em todos os sentidos, estupenda! E em nada deixa a dever ao Paraíso de Dante!
Abraços a todos!

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Já tinha tentado comentar aqui antes mas não consegui :-(
Muito lindo mesmo o texto sobre o Asmahan Nights! Lindas palavras!
Vc tem um talento enorme pra escrever! Parabéns e a foto da minha teacher de diamantes tá linda demais! (# Beijos!

9:39 AM  
Blogger Rickson Rios said...

Obrigado, Carol!
Aquela noite foi muito linda e especial...merecia um texto bacana! Aliás, foi um prazer conhecê-la lá no Asmahan.
Quanto à foto, estou plenamente de acordo!
Um beijo!

9:04 PM  

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